Oftalmologia sem Mistérios

Todas as Faces do Ceratocone: Uma Abordagem Abrangente para o Oftalmologista Moderno

O ceratocone desponta como uma das condições mais desafiadoras na oftalmologia contemporânea. Trata-se de uma ectasia progressiva da córnea, caracterizada pelo afinamento e protrusão em formato cônico desta estrutura. Com impacto significativo na qualidade visual e emocional dos pacientes, a doença exige um diagnóstico precoce, atualização constante sobre as opções terapêuticas e uma abordagem holística que leve em conta também a saúde mental do indivíduo.

A complexidade do ceratocone reside não apenas em sua variabilidade clínica, mas também nas inúmeras opções diagnósticas e terapêuticas disponíveis hoje. Para os oftalmologistas que lidam com a condição, compreender suas diferentes faces — desde as causas até os tratamentos mais avançados — é essencial para oferecer um manejo eficaz e personalizado.

O ceratocone geralmente aparece durante a adolescência ou no início da vida adulta, com progressão variável entre os indivíduos. Estudos, como o de Gomes et al. (2009), destacam uma prevalência global média de 1 em 2.000 pessoas; no Brasil, as estimativas variam entre 0,5% e 3,3% da população, o que o torna uma condição prevalente em consultórios oftalmológicos.

Embora a causa exata ainda não seja completamente compreendida, o ceratocone é reconhecido como uma doença multifatorial:

  • Fatores Genéticos: A presença de histórico familiar é identificada em até 10-20% dos casos. Estudos, como os publicados por McComish (2019), têm identificado variantes genéticas associadas a alterações na estrutura do colágeno da córnea.
  • Fatores Ambientais e Comportamentais: O ato crônico de coçar os olhos, frequentemente associado a alergias oculares e atopia, é um importante fator de risco modificável. Essa prática acelera o afinamento corneano e a progressão da ectasia.
  • Condições Associadas: Síndromes genéticas, como as de Down, Marfan e Ehlers-Danlos, aumentam a suscetibilidade ao ceratocone.

A detecção precoce do ceratocone é crucial para retardar sua progressão e preservar a visão do paciente, especialmente em uma fase onde intervenções menos invasivas podem ser eficazes. As ferramentas diagnósticas avançaram significativamente nas últimas décadas e incluem:

  • Topografia Corneana: Essencial para detectar alterações precoces da curvatura corneana e o astigmatismo irregular típico da doença. Muitas vezes, é o primeiro exame indicado.
  • Tomografia Corneana (Pentacam, Galilei ou Anterion) Equipamentos modernos mapeiam toda a córnea em três dimensões, permitindo identificar a elevação anterior e posterior, além da paquimetria. Segundo Rabinowitz (1998), essa ferramenta é indispensável para diferenciar ceratocone inicial de outras condições, como astigmatismo regular.
  • Avaliação Biomecânica (Corvis ST): Este exame avalia a rigidez da córnea sob uma pulsação de ar, um marcador importante para detectar alterações estruturais que antecedem manifestações clínicas evidentes.

O manejo do ceratocone varia de acordo com seu estágio e a progressão. Hoje, o oftalmologista tem à disposição uma ampla gama de opções terapêuticas, que podem ajudar tanto a estabilizar a doença quanto a otimizar a visão do paciente.

1. Correção Óptica

  • Óculos: Úteis apenas em estágios iniciais, para corrigir miopia e astigmatismo regulares.
  • Lentes de Contato Avançadas: As lentes rígidas gás-permeáveis (RGPs) e, mais recentemente, as lentes esclerais, são padrão-ouro para a reabilitação visual em muitos casos. Segundo Caroline e André (2012), as lentes esclerais, por protegerem a córnea e reduzirem sintomas de desconforto, têm sido cada vez mais recomendadas para pacientes com irregularidade avançada.

2. Estabilização da Doença com Crosslinking Corneano (CXL)

O crosslinking utiliza riboflavina (vitamina B2) ativada por luz ultravioleta-A para fortalecer as fibras de colágeno da córnea, interrompendo a progressão da ectasia. Estudo clássico de Wollensak et al. (2003) comprovou a eficácia do CXL, particularmente em casos diagnosticados precocemente.

Em protocolos mais recentes, como o acelerado (epi-on), a recuperação do paciente é mais rápida, embora a literatura indique que o protocolo tradicional (epi-off) ainda proporciona resultados mais satisfatórios a longo prazo.

3. Implantes de Anéis Intraestromais

Os anéis intraestromais, como o conhecido Anel de Ferrara, são implantados na córnea para regularizar sua forma, reduzindo o astigmatismo irregular e melhorando a visão. Essa técnica é recomendada para pacientes que não toleram lentes de contato e que ainda não apresentam cicatrizes significativas.

4. Transplante de Córnea

Nos estágios avançados, onde as demais alternativas não são suficientes, o transplante de córnea torna-se a melhor opção. Procedimentos como a ceratoplastia lamelar anterior profunda (DALK) são preferíveis ao transplante penetrante (PK), pois preservam o endotélio saudável do paciente, reduzindo o risco de rejeição.

Além do impacto visual, o ceratocone frequentemente afeta a saúde mental e emocional do paciente. Um estudo de revisão publicado por Paz et al. (2020) revela que indivíduos com ceratocone relatam ansiedade e perda de autoestima, devido às limitações visuais e à necessidade de tratamentos constantes.

O oftalmologista desempenha um papel fundamental ao acolher as preocupações do paciente e fornecer informações claras sobre o que esperar da doença e do tratamento.

Novas Fronteiras no Tratamento do Ceratocone

A pesquisa em ceratocone segue avançando. Um dos enfoques promissores inclui o uso de terapias gênicas e inibidores de colagenase para retardar o afinamento corneano em níveis moleculares. Além disso, algoritmos de inteligência artificial (IA) já estão sendo empregados para análise tomográfica e planejamento cirúrgico, permitindo maior precisão nos tratamentos, conforme publicado por Unifesp (2023).

Se você deseja mergulhar mais profundamente nesse tema, recomendamos o episódio completo do podcast “Todas as Faces do Ceratocone”, onde especialistas compartilham suas experiências, abordam casos clínicos e exploram novas fronteiras no manejo da doença.

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Referências Científicas Utilizadas:

  1. Rabinowitz, Y. S. (1998). Keratoconus. Survey of Ophthalmology, 42(4), 297-319.
  2. Wollensak, G., Spoerl, E., & Seiler, T. (2003). Riboflavin/Ultraviolet-A-Induced Collagen Crosslinking for the Treatment of Keratoconus. American Journal of Ophthalmology, 135(5), 620-627.
  3. Caroline, P. J., & André, M. (2012). Scleral Contact Lenses: Evolution and Design. Contact Lens Spectrum.
  4. McComish, B. J. (2019). The Genetics of Keratoconus: A Review. Nebula Genomics.
  5. Paz, D. A., et al. (2020). Quality of Life in Patients with Keratoconus: A Systematic Review. Journal of Ophthalmology.
  6. Caporossi, A., et al. (2009). Riboflavin-UV-A-Induced Collagen Crosslinking: New Trends. Clinical Ophthalmology (Auckland, N.Z.).
  7. Unifesp. (2023). Estudos sobre Inteligência Artificial aplicada à Córnea.

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